terça-feira, 26 de abril de 2022

Papoula - A Flor entre Deus e o Diabo

 

Esta é uma flor capaz de trazer benção e maldição. Isto porque é de seu bulbo que se extrai a seiva para produção da morfina e também da heroina. A morfina é tão poderosa que muitas vezes é a única substância capaz de tratar as dores mais agudas, entretando, é tão viciante que muitos descobriram uma forma de manipular toda uma indústria e trafica-las exatamente pelas maravilhas e dependências que ela causa.
Quando suas pétalas caem, a cápsula que permanece (fruto) guarda as sementes que darão vida à novas plantas, entretanto, em sua fase final de amadurecimento, o latex que ela produz tem um efeito altamente narcótico para os que conhecem tais segredos - também chamado de ópio.
O ópio é a base da sagrada morfina, codeína e tebaína e também da terrível heroína. Estas substâncias possuem alcaloides capazes de aliviar a dor, sedar, dar sensações de bem-estar  e causar abstinência.
Sua origem é incerta, embora papoulas ocorram frequentemente na na faixa do oriente que vai da Turquia até a Tailandia e há ampla variedade de espécies, sendo as mais comuns a papaver orientale (papoula do oriente), papaver rhoeas (papoula comum) e a papaver sonniferum (papoula do ópio). Como o próprio nome já sugere, "sonniferum", esta espécie é a mais conhecida e seus efeitos promovem relaxamento e letargia como se o indivíduo estivesse sonolento. No oriente era comum seu uso mascado ou através da inalação (fumo), já no ocidente o uso mais difundido foi em pó (heroína) que era diluído em água e ingerido e posteriormente através de injeção intravenosa.
A heroina foi descoberta na Alemanha na segunda metade do século XIX e ganhou este nome exatamente pelo fato da substância fazer com que os usuários se sentissem  heróicos - a principio foi comercializada como substituta da morfina por, aparentemente, ser "menos viciante". Posteriormente, descobriu-se que causava tanta dependência quanto qualquer outro opiácio e esse narcótico se tornaria um pesadelo para diversas nações na guerra contra as drogas.
Existem registros médicos gregos que remontam 1.500 A.C, mas acredita-se que em 5.000 A.C muitos povos já conheciam os poderes do ópio. Sabe-se que por volta de 3.500 A.C, os mesopotâmios já cultivavam papoulas para fins ritualisticos e medicinais. Partes das flores eram utilizada para o alívio da dor, mas era o efeito anestésico o mais buscado - muitas cirurgias puderam ser realizadas no mundo antigo graças às substâncias encontradas nas papoulas. Acredita-se que os gregos já conheciam métodos avançados de uso tanto da codeína quanto da morfina.
Hipnos e os Bulbos de Papoulas
A palavra Morfina deriva de Morfeu, o deus grego dos sonhos. Morfeu tinha a habilidade de  metamorfosear-se e aparecer nos sonhos humanos, ele era filho de Hipnos, o deus do sono (de onde advém a expressão hipnose). Hipnos tinha um irmão gêmeo, Tâmato, o deus da morte, e ambos viviam no submundo governado por Hades. Os antigos gregos diziam que Hipnos utilizava papoulas que cresciam nos Campos Elísios para induzir os mortais ao sono.
O uso das papoulas foi bastante difundido no mundo antigo, mas sua periculosidade também era notada, há documentos arqueológicos que revelam que muitos especialistas já consideravam os efeitos colaterais do ópio. O médico Diágoras, por exemplo, caracterizou o uso indiscriminado da substância extraída da papoula como "possivelmente letal". 
A toxidade, o potencial viciante, as euforias e as alucinações provocadas pelo uso destes alcalóides já eram conhecidas muito antes dos tempos modernos, assim como o risco de morte. Os antigos gregos já diziam que Hipnos caminhava sempre ao lado de Tâmato.





BELLUM OPIUM


 
Uma grande população significa um grande mercado consumidor e a Grã-Bretanha sabia do potencial chinês para consumir seus produtos, uma vez que ela havia se tornado um dos grandes comerciantes marítimos após a Revolução Industrial (XVIII). Mas a cultura chinesa sempre foi demasiado tradicional, e pouco interesse tinha em produtos ingleses - ao contrário do Brasil Colônia que comprava da Grã-Bretanha até patins de gelo para pendurar na parede (isso não foi uma ironia).
A china produzia há seculos um dos tecidos mais finos e mais apreciados pela nobreza inglesa (a seda) e as mais belas xícaras de porcelana - utilizadas no famoso chá das cinco - eram as de origem chinesa. Isso sem contar na própria erva para o chá que - embora soe bastante britânico - também provinha da Ásia. 
Portanto, a China era um grande exportador que pouco se importava com produtos ingleses. Os navios britânicos iam vazios e voltavam cheios e isso não soava lucrativo (causando um défict comercial no país). Entretanto, havia um país vizinho que produzia algo que os alguns comerciantes chineses tinham interesse - fruto da papoula - o ópio.
Ao contrário dos chineses, a India apreciava muitos produtos ingleses e estava disposta negociar. Os britânicos então formularam uma excelente estratégia de combate ao déficit comercial: os navios saiam repletos de produtos ingleses rumo à India e, uma vez esvaziados, eram novamente preenchidos de ópio indiano que seguiria rumo à China. 
Guerra do Ópio
Já haviam ordens imperiais que proibiam a comercialização do ópio desde o século XVIII, mas os ingleses sabiam do potencial viciante da droga e era uma questão de tempo para que a necessidade de consumo falasse mais alto e a compra tivesse que ser legalizada (assim pensavam os britânicos). Não existia ainda o conceito de "narcotráfico" como vemos hoje e o governo chinês só se deu conta que havia um problema de saúde pública quando parte considerável de sua população já estava altamente viciada e dependente do ópio.
Bem, quando a China compreendeu que o problema tinha origem na companhia marítima inglesa, cortou relações comerciais e foi então que em 1839 a Grã-Bretanha declarou guerra exigindo a abertura dos portos e o livre comércio. Em 1842 é assinado o "Tratado de Nanquim" onde a China abre seus portos e ainda entrega a ilha estratégica de Hong Kong que permaneceu sob o domínio britânico por 100 anos. 
Com soldados chineses mal-equipados e viciados, a China não foi párea frente a uma potência marítima como a Inglaterra - a Guerra do Ópio já estava perdida. No fim do século XIX a China era uma nação decadente onde mais de 1/4 da população masculina era usuária de ópiáceos.
Talvez essa seja uma parte da história da China que o país gostaria de apagar, entretanto traz como exemplo o que uma flor que cresce no paraíso e também no inferno pode fazer.





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